quarta-feira, 31 de julho de 2013

NEL CÂNDIDO - ROUBARAM A MEU PAI A SUA CASA




ROUBARAM A MEU PAI A SUA CASA

NEL CÂNDIDO

Roubaram a meu pai a sua casa,
o lar onde vivera a sua história,
o local onde quisera morrer, 
o templo onde seria lembrado.

Paredes de lembranças impregnadas,
recordações de tempos bons passados
em meio a rachaduras e bolores
ainda assim o lar do velho pai.

Caíram, demolidas, as paredes,
quedou-se, entrevado, o meu pai.
À ele não mais havia esperança:
sua vida também fora derrubada.

NAQUELA MESA




NAQUELA MESA

SÉRGIO BITENCOURT
               ( Composição de Sérgio Bitencourt em homenagem 
                                    a seu pai falecido Jacob do Bandolim)


Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa 'ta faltando ele
E a saudade dele 'ta doendo em mim

Naquela mesa 'ta faltando ele
E a saudade dele 'ta doendo em mim





LUIZ DE CAMÕES - OS LUSÍADAS




OS LUSÍADAS

LUIZ VAZ DE CAMÕES

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados, 
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro  e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Para ler a continuação de OS LUSÍADAS acesse:

http://carreirajose78.free.fr/Fichier/Lecture/OsLusiadas.pdf

VINÍCIUS DE MORAES - MEU PAI




MEU PAI

VINÍCIUS DE MORAES

Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra
Dá-me o teu antigo paletó sujo de ventos e de chuvas
Dá-me o imemorial chapéu com que cobrias a tua paciência
E os misteriosos papéis em que teus versos inscreveste.

Meu pai, dá-me a tua pequena chave das grandes portas
Dá-me a tua lamparina de rolha, estranha bailarina das insônias
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AFONSO CELSO - ANJO ENFERMO




ANJO ENFERMO

AFONSO CELSO

Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis, por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?

Ó melindroso ser, ó filha minha,
Se os céus me ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse, 
gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não t'a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!

Sim... é pai, mas a crença no-lo ensina:
Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...

OLAVO BILAC - OUVIR ESTRELAS


                

OUVIR ESTRELAS 

OLAVO BILAC

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
que para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
a Via Láctea, como um pálio aberto,
cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
inda as procuro  pelo céu deserto.

Direis agora: - "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
 tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: - " Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas".

           

ANTÔNIO TOMÁS - CONTRASTE




CONTRASTE

ANTONIO TOMÁS (Padre)

Quando partimos, no verdor dos anos,
da vida pela estrada florescente,
as esperanças vão conosco à frente,
e vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos, 
vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
como a existência é rápida e falaz,
e vemos que sucede exatamente

o contrário dos tempos de rapaz:
- Os desenganos vão conosco à frente
e as esperanças vão ficando atrás.

FLORBELA ESPANCA - AO VENTO




AO VENTO 

FLORBELA ESPANCA

O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh'alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente!...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo, 
E não rias assim!... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
E a gente andar a rir p'la vida fora!!...

OLEGÁRIO MARIANO - SAUDADE




SAUDADE

OLEGÁRIO MARIANO

Saudade! Dor que purifica! Trama
Imperceptível que o destino tece,
Crepúsculo que cai sobre quem ama,
Ressonância da voz quando emudece.

Saudade. Mãos em cruz, lábios em prece,
De extinto amor alimentando a chama.
Luar invisível que do céu derrama
Luz que desperta e sombra que adormece.

Cair lento de pálpebras... Grande ânsia
Que aproxima as criaturas que sofreram...
Ó saudade! Fiandeira da distância

Que reproduzes as miragens loucas,
Os momentos de amor que não morreram
E os beijos que ainda estão em nossas bocas.

terça-feira, 23 de julho de 2013

ANTONIO BRASILEIRO - MÁGOA



MÁGOA

ANTONIO BRASILEIRO

1 . 

Fiz-me embrulho para presente
para ofertar-me aos amigos.

(Sempre fui o mesmo homem:
papel de seda, uma fita.)

2 .

Amei tanto, tanto mesmo:
só me chamaram poeta.

Sorri tanto, e só sabiam
que eu tinha dentes bonitos.

3 .

Guardei-me um dia no  mar
chorei ondas pela praia.

Em mim nasceu uma flor
porque sempre fui jardim.

RAUL DE LEONI - INGRATIDÃO




INGRATIDÃO

RAUL DE LEONI

Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...

JOSÉ MARIA ALVES - HOUVE TEMPOS OUTRORA


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HOUVE TEMPOS OUTRORA

JOSÉ MARIA ALVES

Houve tempos outrora
Em que o meu coração era taça plena de energia.
Hoje nada faz transbordar
Uma taça que está vazia.
Perdi o que tinha e o que sonhei, o que disse e o não dito,
A paixão dos montes, das águas cristalinas,
Do translúcido rio que em puro veio se dilui
Em céus e mares de azul infinito.
Estou solenemente acompanhado de uma solidão
Que viva e morta em cada dia, não renasce, não cria,
Nem fecunda o chão do vale verde macio
E o planalto coroado de granito.
Houve tempos outrora
Em que o meu tempo era vida.
Hoje se não é morte,
Que seja apenas agonia.

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sábado, 20 de julho de 2013

JOÃO CARLOS TAVEIRA - CANTO PORQUE NÃO SEI...


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CANTO PORQUE NÃO SEI...

JOÃO CARLOS TAVEIRA

Canto porque não sei morrer de amor
nem inventar palavra mortuária
que possa desfazer e recompor
a minha vida limitada e vária.

Canto também por simples desamor
à morte fabricada, à solitária
paz que submete um homem à sua dor
quando a reduz à mão totalitária.

Viver fora do mar - um peixe ocluso
já é por si a sina que conduzo 
por ter em mim mil homens infelizes.  

Mas canto antes de tudo pelo vício
de amar esse terrível exercício
de solidão que em mim criou raízes.

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BERNARDO DE PASSOS - REGRESSO


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REGRESSO

BERNARDO DE PASSOS

Minha aldeia, voltei!  Ave-Marias...
Teu crepúsculo de oiro até parece
Que me canta e me embala e me adormece,
A florir a amargura dos meus dias...

Como a urze das tuas serranias,
Poeta aqui nasci, sem que o soubesse,
E aqui, - visão de estrelas e de prece, -
Vi meu primeiro amor, quando me vias!

Minha aldeia, voltei! - Anoiteceu...
Sobre o meu coração como um ninho,
Estendes a asa de oiro do teu céu...

E ele dorme e sorri, - o abandonado!-
Como dorme e sorri um passarinho, 
Sob a asa da mãe agasalhado.

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quarta-feira, 17 de julho de 2013

ALDA LARA - INTERMEZZO




INTERMEZZO

ALDA LARA

do cais, partiram os navios
onde eu quis ir sempre,
e nunca fui...

no jardim, morreram as flores
que o meu olhar só beijou
através das grades brancas...

e pelos caminhos, 
passaram por mim,
sem olharem para trás uma só vez,
todos que tinham pressa de chegar...

só eu fui devagar...
cada vez mais devagar
quanto mais perto estava.

a desejar, as flores que morriam
por detrás das grades brancas...
os navios que partiam
envolvidos na bruma,
e os caminhos, nunca percorridos...

só eu fui devagar...

NEL CÂNDIDO - NÃO ME ESQUEÇO DOS AMIGOS DO PASSADO


       

NÃO ME ESQUEÇO DOS AMIGOS DO PASSADO

NEL CÂNDIDO

Não me esqueço dos amigos do passado,
dos que outrora me fizeram tanto bem;
mas se o presente com sua lida me afastou,
nos recordos e no peito unidos estamos.

Jamais olvido os momentos que passamos
juntos, fossem entre lágrimas ou sorrisos,
sempre instantes de amizade e de carinho
no coração eternizados em saudade.

Se a eterna vida que nos foi assegurada
é a vivência na infinitude do amor,
nesta distância em que me encontro me conforta
que no além-vida viverei c'os que amei.

       

MÁRIO PEDERNEIRAS - SUAVE CAMINHO


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SUAVE CAMINHO

MÁRIO PEDERNEIRAS

Assim... Ambos assim, no mesmo passo,
iremos percorrendo a mesma estrada;
tu - no meu braço trêmulo amparada,
eu - amparado no teu lindo braço.

Ligados neste arrimo, embora escasso, 
venceremos as urzes da jornada.
E tu - te sentirás menos cansada,
e eu - menos sentirei o meu cansaço.

E, assim, ligados pelos bens supremos, 
que para mim o teu carinho trouxe,
placidamente pela vida iremos,

calcando mágoas, afastando espinhos,
como se a escarpa desta vida fosse
o mais suave de todos os caminhos.

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quinta-feira, 11 de julho de 2013

PORTO SOLIDÃO


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PORTO SOLIDÃO

COMPOSITORES: ZECA BAHIA / GINKO
CANTA: JESSÉ

se um veleiro
repousasse
na palma da minha mão

sopraria
com sentimento
e deixaria seguir sempre
rumo ao meu coração

meu coração - 
há calma de um mar
e guarda tamanhos segredos
de versos
naufragados e sem tempo

rimas de ventos e velas
vida que vem e que vai
a solidão que fica e entra
me arremessando contra o cais





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sábado, 6 de julho de 2013

OTACÍLIO DE AZEVEDO - DESILUSÃO




DESILUSÃO

OTACÍLIO DE AZEVEDO

Meu verso é um lago onde erram, doloridas,
à hora em que a luz do sol morre em palores,
sombras de árvores velhas, esquecidas,
que morreram sem frutos e sem flores.

No apagado cristal em que, diluídas,
se debruçam, tristonhas e incolores,
semelham, no ermo espelho refletidas, 
passadas ilusões de meus amores...

Mal sabeis vós que o lago nunca estanque
de que vos falo é o doloroso tanque
do pranto amargo que fazeis verter

todo o meu coração desiludido,
neste inferno de amor incompreendido
que se eterniza no meu próprio ser!


FRANCISCO MIGUEL DE MOURA - FILOSOFIA DO TRIVIAL




FILOSOFIA DO TRIVIAL

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

Acendido o cigarro, o fumo passa
a alongar-se pro alto, com desdém.
Outro cigarro acende-se: fumaça
voa do peito, vai procurar quem?

Porque tão longe em cinza se consome,
voltamos a pensar outra desgraça,
outra tristeza que não sei o nome.
E a nossa vida esvai-se e se adelgaça!

Por um momento cresce e se avoluma,
por um momento cria a dor das crenças,
para depois se transformar em bruma.

Pensando bem (ou mal), a vida passa:
- Um punhado de crenças e descrenças,
um minuto, um cigarro, uma fumaça!...

sexta-feira, 5 de julho de 2013

V. S. ANDERSEN - RETRATO




RETRATO

V. S. ANDERSEN

Quando criança
minha mãe me vigiava
e me repreendia
das artes que eu fazia.

Eu ainda faço artes...
Ela ainda me vigia,
me repreende.
Vou tirar o retrato dela
da parede...