sábado, 21 de junho de 2014

ANTONIO BRASILEIRO - COM / SEM


   

COM / SEM

ANTONIO BRASILEIRO

Morreste em mim domingo à tarde.

Em vão te procurei nos alfabetos:
os hieróglifos da memória emudeciam.
Como um grito
que só tivesse o eco:
não, não me resta nada a perfazer.
Tudo em mim se cumpriu,
só eu não me cumpri.
Do que ficou,
construí um poema amargo.
E os dias a se estamparem nas retinas
me lembrarão sempre
que tu morreste em mim domingo à tarde.

E eu em mim morri todos os dias.

   

MANUEL RUI - EXERCÍCIO NOTURNO


          

EXERCÍCIO NOTURNO
                  ( para a Antonieta)

MANUEL RUI

toma este poema
como se fosse uma coisa volumétrica
com arestas de vento e reflexos de lua sobre o mar.

toma este poema
como os olhos os nossos olhos se prendem pela água
enquanto os dedos dedilham a areia arrefecida
pela noite.

toma este poema
como o ouvido o nosso ouvido descobre em cada
marulhar
a música mais simples com palavras
obrigatoriamente dentro.

toma este poema 
como se fosse uma narrativa secular de vida
e morte
meninos que cresceram foram grandes
conhecedores da ilha e seus segredos
depois morreram velhos com a esperança
de mais saber e descobrir do mar.

toma este poema
e vê que o mar não tem idade
e sempre muda sabendo tudo como por exemplo 
que ali é com certeza a cassiopeia
e que esta noite não há estrela polar.

toma este poema
como uma cápsula de bala sobre a areia
ou um esqueleto humano e um carro de bebê 
em s.pedro da barra.

toma este poema
como um menino que perdeu o pai na guerra
e faz de uma vermelha pétala de acácia de ontem
a vela de concha mais límpida
de hoje para amanhã ir navegar.

          

ALDA LARA - CIGANA




CIGANA

ALDA LARA

quem me dera ser vagabundo
de um mundo 
qualquer!...

quem me dera ir,
pelos caminhos,
com a única saia que tivesse p'ra vestir...,
(nem curta nem comprida...)
... uma saia fora de moda, desgraciosa,
mas forte e vistosa!...

quem me dera ir...,
a comer as amoras dos valados,
a dormir sobre a grama, sem telhados
que não fossem os do céu!...
ser "eu"...
acenar aos que trabalham nos campos,
e parar,
a ouvir as canções populares!...
seguir sempre sozinha, comigo
e com o sol...
ver nascer o arrebol,
e caminhar... sem destino...
ao som não sei de que hino...
mas livre... livre!...

livre de ter que dizer
"muito prazer"
 a toda hora!...
livre dos compromissos, 
das etiquetas,
e de todas as tretas
que me acorrentam
 e me lançam névoa sobre os ideais!...
livre das exposições,
das reuniões,
das aulas do forjaz 
e outros que tais!...
livre de tudo!...
sem a ambição de possuir um "canudo",
sem educação!...
poder lamber as mãos,
e rir de troça,
dos que passam nas estradas,
de óculos escuros,
e grandes "espadas"!...

ah!... ser simples!...
não pensar na modista, 
nem no dentista, 
nem nas unhas por polir...
nem pensar na guerra
nem na pobreza...
saber só que a naturez
é bela e igual para todos!...
saber só, que caminho sozinha,
feliz com a minha liberdade!...
não conhecer a saudades
do que ficou para trás!...
e saber que há sempre,
um fruto maduro,
e uma estrela brilhante
para cada caminhante!...
seguir... seguir sempre!...
sem um fito... sem um fim...
mas caminhar mesmo assim...com o vento a bater-me
nas tranças do cabelo, às lufadas,
e a deixar-me beijar
todas as noite
pelo luar das estrelas!...

quem me dera ir...
sem pátria, nem lei...
abraçada aos sonhos que sonhei!...

ah! cigana perdida,
a sorrir
nas estradas da vida!...

GREGÓRIO DE MATTOS - A UM PASSARINHO CANTANDO


               outro (200x176, 49Kb)

A UM PASSARINHO CANTANDO

GREGÓRIO DE MATOS

Ramalhete do ar e flor e vento,
Que animadamente teu ciúmes choras,
Tu cantando teu mal, teu mal melhoras,
Eu cantando meu mal, meu mal aumento.

Eu ligo minha dor ao sentimento,
Tu cantas teu pesar a quem namoras,
Eu tenho qualquer mal todas as horas,
Tu esperas o bem cada momento.

Ambos agora estamos padecendo
Por injusto intento mais divino
Mas eu padeço mais porque entendo

Pois é tão duro e raro meu destino
Que tu choras o mal que estás sofrendo,
Eu, choro o mal que passo e imagino.

               outro (200x176, 49Kb)

ANTONIO BRASILEIRO - ESTUDO 157


   

ESTUDO 157

ANTONIO BRASILEIRO

Minha poesia é ríspida.
Não há maneira de nublá-la. É ríspida.
Estas lições não aprendi com o vento.
Sou homem.
O vento
permaneça nas alfombras,
nas frondes. Eu, sou homem.

E sinto dores, fomes, injustiças.
Não sou o vento que tange árias dúcteis
nos eucaliptos: sou um homem;
e vejo os homens de banda. 
Não aprendi com o vento estas lições.
O vento é o vento, eu
sou um soluço.

É ríspida minha poesia.
Não aprendi com o vento, mas com os homens.
E os homens não passam - os homens doem.

   

VICENTE DE CARVALHO - VELHO TEMA II


     

VELHO TEMA II

VICENTE DE CARVALHO

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: - risonho e sem cuidados,
Muitos de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece; eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

     

VESPASIANO RAMOS - CRUEL


   

CRUEL

VESPASIANO RAMOS

Ah, se as dores que eu sinto ela sentisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse;
talvez nunca um momento me negasse
tudo que eu desejasse e lhe pedisse!

Talvez a todo instante consentisse
minha boca beijar a sua face,
se o caminho que eu tomo ela tomasse,
se o calvário que eu subo ela subisse!

Se o desejo  que eu tenho ela tivesse,
se os meus sonhos de amor ela sonhasse,
aos meus rogos talvez não se opusesse!

Talvez nunca negasse o que eu pedisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse
e se as dores que eu sinto ela sentisse!...

   

quarta-feira, 18 de junho de 2014

MANOEL DE BARROS - ÁRVORE


   

ÁRVORE

MANOEL DE BARROS

Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho. 
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,
de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra, esquecida no tronco das 
árvores só serve para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão
se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o 
entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os
lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com as borboletas.

   

JOSÉ RÉGIO - CANÇÃO DE PRIMAVERA


      

CANÇÃO DE PRIMAVERA

JOSÉ RÉGIO

Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores, 
Pois que Maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar flor, já não dou.

Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.

Eu, invernos e outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio...
Aquece tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.

Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.

Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar...
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?

    

BARÃO DE PINDARÉ JUNIOR - MINORIAS??!!


6209060f7bc0 [1] (392x58, 4 Kb)

MINORIAS??!!

BARÃO DE PINDARÉ JÚNIOR

Desde quando
                     mulher é minoria?
- há mais mulheres do que homens!

Desde quando
                    negro é minoria?
- se somos todos negros!!!

Em verdade, vos digo:
homem é que é minoria
- é tão difícil de achar um!!!

6209060f7bc0 [1] (392x58, 4 Kb)

DONIZETE GALVÃO - O GRITO


(416x17, 19Kb)

O GRITO

DONIZETE GALVÃO

O porco guincha
e sob a pata dianteira
sai a golfada de sangue
que enche a bacia.

Horas depois, 
pronto o chouriço,
comemos o sangue preto,
as tripas, o grito.

(416x17, 19Kb)

RUY BURITY DA SILVA - ESQUEÇAM


            (250x87, 6Kb)

ESQUEÇAM

RUY BURITY DA SILVA

quantas vezes meu olhar se perde
nas polainas dos campos sem as ver?
quantas vezes contemplo
o vazio que me cobre a vida
sem o ver?
quantas?
perdi em mim a graça de ser eu, 
meu peito alberga uma inocência pervertida,
minha alma quebrada nunca vibrou.
não sou o ser que os outros vêm, 
não tenho ilusões nem as alimento,
o meu passado é igual ao meu presente.
se alguma coisa fiz não foi por bem, 
reneguei o sentimento de o ser...
se algo mereço nesta vida,
decerto que não é o perdão dos meus atos
pois esses nunca foram desmedidos,
mas o castigo dos meus pensamentos.
meu corpo não tem culpas
não o façam pois sofrer.
se em vida a vida é um presente, 
desmereço o fruto de um futuro,
o desvelo de um presente amante
ou a memória de um passado alado.
apenas gostaria de chorar de dor,
de arrependimento.
queria secar minha alma,
calar a voz que grita em mim, 
prender uma corda ao meu pescoço
puxando-a sempre que as cordas do meu sistema vocal
pretendam cuspir os seus desprezos.
morrer...
para que hei de morrer?
meus versos ficarão escritos
transmitindo no futuro os meus desprezos
outros lerão aceitando-os como certos
criando novos monstros pervertidos.
larva ou vírus que deixarei chorando
nas memórias dos que me lerão sorrindo.

          (250x87, 6Kb)

MANUEL BANDEIRA - DESENCANTO


      getimageCA2AMUL0 (400x81, 8KB)

DESENCANTO

MANUEL BANDEIRA

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...  remorso vão...
Dói-me nas veias.  Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

     getimageCA2AMUL0 (400x81, 8KB)

ANTONIO BRASILEIRO - CALVÁRIO


d9c055fa6b6a (478x77, 24Kb)

CALVÁRIO 

ANTONIO BRASILEIRO

Serei o cálice a ti oferecido
e o amargo;
serei o sol e o frio;
serei a lança perfurando a carne:
a mão que não se estendeu;
as cicatrizes;
serei o âmago dolorido; a
face; a 
complacência divina emudecida; 
serei a humanidade e o vento;
serei oito milênios de agonia
e espera; serei o desespero
e o desesperado
e a coroa de espinhos dando flores.

d9c055fa6b6a (478x77, 24Kb)