terça-feira, 29 de outubro de 2013

WALMIR AYALA - CRER




CRER

WALMIR AYALA


Creio em mim. Creio em ti. Deus, onde mora?

Na vontade de crer que me consente

humano e ardente.

No meu repouso em ti, que me alimenta.

No que vejo e recebo, nesta vara

florida num deserto, em meu maná

de agora e de jamais. Saber-me hoje

tão digno do tempo que me mata

é arder-me em Deus, e este saber me basta.


OLAVO BILAC - REMORSO




REMORSO

OLAVO BILAC

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! Com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que esperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

NEL CÂNDIDO - COMO POSSO SER POETA SE O TEMPO...


 

COMO POSSO SER POETA SE O TEMPO...

NEL CÂNDIDO

Como posso ser poeta se o tempo
Necessário ao exercício de mi'a arte
Não o tenho - faz-se sempre partilhado
C'os labores que a mim são exigidos?

Quando a musa bela chega a visitar-me,
Inspirando-me o mais perfeito verso,
Cesso a escrita e com ela cessa o engenho.
Magoada, leva a minha inspiração.

Os poetas de outrora (penso eu),
Que as mais belas poesias redigiram,
Deixariam porventura seus ofícios
E à cotidiana ação se entregariam?

Posso eu submeter da arte as Musas
Ao intervalo das mi'as muitas ações,
Obrigando-as a servirem-me apenas
No cansaço, quando cessa-me o labor?

Tantas vezes companheiras se fizeram,
Junto a mim permanecendo todo o dia,
Ao ouvido me soprando as palavras
Tão perfeitas, que unidas eram versos.

Sem poder eternizá-las no papel - 
Suave brisa - dissiparam-se no ar
P'ra - quem sabe? - outro poeta as ouvirem
E colher o que eu não pude atentar.

Dedicar-se unicamente à sua arte
Deveria o que tem alma de artista,
Para o mundo enriquecer com a Beleza,
Que é centelha da divina Criação.

E enquanto o poeta - e todo artista - 
É envolvido pelo turbilhão do mundo,
Toda a humanidade aos poucos se empobrece
Pelas obras que a arte não criou.

  

ORLANDO TEJO - IMPASSE




IMPASSE

ORLANDO TEJO

Se ficar onde estou não faço nada,
Se sair por aí corro perigo,
Se me calo minh'alma é sufocada,
Se disser o que sei faço inimigo...

Se pensar vou trair a madrugada
E se sonho demais vem o castigo,
Se quiser subo até o fim de escada,
Mas precisa brigar, e eu não brigo!

Se cantar atropelo o contracanto,
Se não canto maltrato o coração,
Se me faço sofrer me desencanto,

Se reprimo o ideal perco a razão,
Se perder a razão, resta-me o prato
E meu pranto não faz uma canção.

OLEGÁRIO MARIANO - A LÂMPADA QUE SE APAGOU




A LÂMPADA QUE SE  APAGOU

OLEGÁRIO MARIANO

Inconsistente amor! Um sopro apenas
Veio apagar-me a lâmpada votiva
Que eu vinha alimentando, ardente e viva,
Não de óleo, mas de lágrimas e penas.

Perto da sua luz meditativa,
Longe das rudes maldições terrenas,
Minh'alma de asas tenras e pequenas
Sentia o orgulho de viver cativa.

Como me parecia eterna a chama!
O tempo murmurava: "Ama!" Em verdade
Só tem direito à vida aquele que ama.

Hoje, o tempo outras vozes me propaga:
" -Vive para a saudade, que a saudade
É a única luz que o vento não apaga".

JOSÉ MARIA ALVES - PERCO-TE COM DOR




PERCO-TE COM DOR

JOSÉ MARIA ALVES

Perco-te com dor,
Mas perco-te
Como quem ama uma virgem
Sem ousar tocar-lhe.
E se tudo pareço ter perdido
Digo:
- Resta-me a solidão da coragem
E do amor.

MANUEL BANDEIRA - POEMA DE FINADOS


          

POEMA DE FINADOS

MANUEL BANDEIRA

Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu  pai.

Leva três rosas bem bonitas
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.

O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.  
E em verdade estou morto ali.

          

GERALDINO BRASIL - O LOUCO


     

GERALDINO BRASIL

O LOUCO

Inventou que era deus e fez das suas:
Óleos n'água pingou, criou aquarelas
Partiu uma maça em duas luas
e cortou carambolas fez estrelas.

Quis ser o diabo e riu dos desatinos:
e riu caretas diante de dois cegos
Falou na história antiga a dois meninos
E da vida moderna a poetas gregos.

Chorou e o diabo o fez cortar cebolas
e lhe enxugou as lágrimas com lãs
de vidro e gritou puuum! com as suas artes.

Deus bondoso o acalmou com carambolas
que comeu e então fez duas manhãs
partindo uma laranja em duas partes.

     

domingo, 20 de outubro de 2013

MÁRCIO CASTRO DAS MERCÊS - ANJO




ANJO

MÁRCIO CASTRO DAS MERCÊS

Anjo
Na voz do teu silêncio
O canto triste e cálido do sonho...
No caminhar... ao teu lado... em doce viagem...
... Um anseio de Paz e de Ternura...
Anjo
És a estrela a refulgir resplandecente...
Nesses momentos... de uma serena e confiante espera...
Anjo...
Afagarei em sonhos tua imagem...
E beijarei tua face feita de sublimada luz...
Anjo...
És um caminho... a porta entreaberta...
Para o encanto...
És meu tesouro mais profundo...
O meu castelo inexpugnável, onde abrigo meus pensamentos...
Onde a minha fé adormeceu em leve sono...
Anjo...
És campo de dourados matizes, onde o sol passeia...
... E o olhar sereno das estrelas vela meus sonhos.
Doce manhã... linda... sublime...
O olhar percorre as raias do infinito...
E a mente... bailarina onírica...
Bebe, sedenta, as luzes do horizonte...

OLEGÁRIO MARIANO - O DRAMA HUMANO




O DRAMA HUMANO 

OLEGÁRIO MARIANO

Quantos amores mutilados
O tempo leva de roldão!
Pobres poemas inacabados
Como pecados ensanguentados
Vindos do próprio coração.

Quantos desejos sufocados,
Quanta mão que aperta outra mão,
Nos momentos angustiados
Da mais rude separação,
Lenços de lágrimas molhados
De uns que vêm e outros que vão.

Rosa que uns dedos agitados
Despetalaram pelo chão...
Na noite - choros abafados:
"Ela virá de novo?" - Não!
Rumor de passos apressados...
Rangem degraus na solidão.
Depois, dois corpos enlaçados,
Bocas unidas, dedos crispados, 
Numa queda que é ascensão.

É o drama humano em mutação,
Dos felizes e desgraçados
Que viveram do coração,
Grandes amores torturados
Que o tempo leva de roldão...

AGOSTINHO NETO - PASSEI A VIDA...




PASSEI A VIDA...

AGOSTINHO NETO

passei a vida a servir
os meus dias passei-os a chorar
no meu mundo
meu inferno.

os braços trabalhando
para um mundo alheio
os meus dedos musicando
para o mundo alheio.

meu mundo
meu inferno.

e ainda choro hoje
mas de vergonha
de pejo
por ter vivido num mundo inferno
sem ter tido ao menos alma para morrer.

POESIAS PSICOGRAFADAS - LÁGRIMAS




LÁGRIMAS

FRANCISCO LOBO DA COSTA
                        ( Psicografia  de Francisco Cândido Xavier)

Quando a luta te deixe em plena estrada,
Qual tronco a sós, sem flores e sem frondes, 
Na secreta renúncia a que te arrimas
Bendita seja a lágrima que escondes!

Quando a amargura te converta a vida
Em rede estranha de sinistras horas,
Mesmo nas raias do suplício extremo,
Bendita seja a lágrima que choras!

Quando a prova te assalte os semelhantes
Na dor de sendas ásperas e incertas,
Na simpatia que te inflama o peito,
Bendita seja a lágrima que ofertas!

Quando, porém, caminhas na bondade
A que nobre e sereno te conjugas,
Muito acima das lágrimas que vertes,
Bendita seja a lágrima que enxugas!

ANTÔNIO CARDOSO - POEMA




POEMA

ANTÔNIO CARDOSO

               I

amanhã,
quando morrer,
eu quero ser enterrado
virado para oriente;
de pé,
braços cruzados
à espera que nasça  o sol!

quer seja enterro falado
( um enterro burguês a valer),
quer seja de pobre-diabo
eu quero ficar assim:
de pé,
braços cruzados 
à espera que nasça o sol!

               II

amanhã,
vai nascer um sol maduro
por cima do meu telhado
de menino rico com tudo.
amanhã,
vai nascer um sol maduro 
por cima do capim podre
dos meninos pobres sem nada.

depois,
amanhã,
(naquele dia de sol maduro
como goiaba que o morcego quer morder)
o menino rico que mora dentro de mim
mais todos os meninos pobres
que moram dentro do mundo
vamos fazer uma roda grande
e brincar novamente
as brincadeiras do antigamente.

CASTRO ALVES - DULCE




DULCE

CASTRO ALVES

Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano - a corrente pura,
musgo - ao rochedo, festa - à sepultura,
das águias negras - harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos - infinito...

Certo... serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústia que o meu ser arrasta!...

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz de teu rosário!...

JOSÉ ALBANO - SONETO DA DOR




SONETO DA DOR


JOSÉ ALBANO 

Mata-me, puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.

E como te amei e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.

JOSÉ MARIA ALVES - QUEM ME DERA...




QUEM ME DERA...

JOSÉ MARIA ALVES

Quem me dera poder partir
Devagar e sozinho
De um modo lento
Natural
Devagarinho.
Içar velas ao vento
Aproar ao porvir
Rumo ao Norte
Bolina ao vento forte.
E assim
Sem penitência
Alma desnuda
Mente desfeita
Repousar na inocência
De existência muda
Que a vida dói
Sofre
Mói
E de perfeita
Nada tem.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MÁRCIO CASTRO DAS MERCÊS - TARDES DE OUTONO


    

TARDES DE OUTONO

MÁRCIO CASTRO DAS MERCÊS

Nas cálidas tardes...
Meus olhos contemplam...
O outono, que passa...
Devagarinho...
Furtando das árvores as folhas...
Salpicando de cores os pomares...
...
Nas tardes de outono...
No céu... vestido de azul cristalino...
Um bando de pássaros brinca de alegria...
...
Nas tardes de outono...
O olhar  mergulha no ígneo horizonte...
E vê o sol vermelho e morno
Despejando reflexos luzentes
No infinito...
Incendiando a crista das montanhas
Salpicando de mil cores as campinas...
...
Nas tardes de outono
Minha alma sedenta bebe a infinita beleza...
Feita de cores... de cânticos... de perfumes...
E assim... em silenciosa meditação...
Sinto acordar em mim um sentimento intenso
De indescritível paz... de graça... de ventura...
...
E então... os desafios todos... esses graves caminhos...
Transformam-se em preciosas trilhas...
Que nos permitirão acesso a realidades novas...
Que nos farão capazes... fortes... preparados...
Para o advento da Manhã de Luz que se aproxima...
...
Nessa tarde de outono
Percebo que nossa 
Existência...
É feita também de alegria... de graça... contentamento...

    

JUDAS ISGOROGOTA - VOCÊ




VOCÊ

JUDAS ISGOROGOTA

Você... Você é tudo o que eu queria...
Tudo o que anseio que a ilusão me dê...
O meu sonho de amor de todo dia
Que nos meus olhos úmidos se lê...
Minha felicidade fugidia,
O meu sonho é você...
Você... Você é a própria poesia
De tudo quanto em volta a mim se vê.
Se Deus quisesse dar-me certo dia
Tudo aquilo que eu quero que me dê,
Eu, sem pensar ao menos, pediria 
Que me desse você!
Sonhos... glória imortal... seria um louco
Pedir tanta ilusão... Não sei por que,
Mesmo a ventura, que possuo tão pouco,
E tudo o mais que a vida ainda me dê,
Fortuna... amor... tudo eu daria, tudo, 
Por você!
É que você tem todos os venenos...
É que seus lábios têm um não sei quê...
Os  olhos de você são dois morenos
Que andam fazendo à noite cangerê...
Por tudo isso, eu pediria, ao menos,
Um pedacinho de você!

CASTRO REIS - SER ARTISTA




SER ARTISTA

CASTRO REIS

nasceste p'ra sonhar, p'ra ser artista,
para ser luz, ser asa, e ser amor.
tens no teu ser um horizonte à vista
com rumos de infinito e esplendor!...

é preciso que alguém no mundo exista
que se dedique às artes com fervor...
caminha, tens nas mãos essa conquista, 
põe asas no teu estro criador!...

ergue o teu grito, e o teu sonho anuncia,
que a arte é a mensagem da poesia,
e o seu canto por ela anda disperso...

faz da arte um guião libertador:
ser poeta, ser músico ou pintor,
é ter dentro de si o Universo.

ANTONIO MIRANDA - RETRATO 3 x 4




RETRATO 3 X 4

ANTONIO MIRANDA

Esse que aparece
na fotografia
não sou eu:
é o que fizeram de mim.

Enforcado,
de gravata, 
no rito burocrático.

Transparece um modelo padronizado
conforme os regulamentos em vigência.

Sem sinais particulares
ou qualquer assomo individualista;
é antes,
o protótipo, a fotocópia
de uma imagem pública e repetida
pré-moldada.

de frente,
com olhar taciturno e impessoal,
assemelhando-se a qualquer outro
e nunca a mim mesmo
que há muito deixei de existir
na contabilidade dos recursos humanos
monotonamente igualizados
nas desigualdades racionalizantes.

O terno seriado
e o olhar emprestado 
de ícones executivos
com documentação farta 
e direitos protegidos.

Devidamente protocolado,
carimbado,
predisposto à comodidade
dos arquivos- mortos.

MARCELO GAMA - CATAVENTO




CATAVENTO

MARCELO GAMA

Vim sarar tédios, longe da cidade,
a convite e conselho de um amigo,
neste sombrio casarão antigo,
onde tudo tem ares de saudade.

- "Vem para o campo que a paisagem há de
curar-te". Mas, curar-me não consigo:
ontem o riso esteve bem comigo;
hoje me sinto cheio de ansiedade.

Sou assim, como as asas do moinho
que, lá distante, à beira do caminho, 
por entre casas velhas aparece:

Gira ao norte..., ora ao sul..., depressa..., lento...
Parece doido aquele catavento!...
Mas como ele comigo se parece!

NEL CÂNDIDO - URUBU




URUBU

NEL CÂNDIDO

Rapina ave,
agourenta e carniceira,
tão rejeitada
em relação a outras belas aves,
no entanto, suave voa
planando nas aragens
em inigualável sutileza, 
pontilhando o azul do céu
com negros traços,
que chamam minha alma
a ansiar 
por tão grande liberdade

LUIZ EDMUNDO - MÁSCARAS




MÁSCARAS

LUIZ EDMUNDO

não é sempre que consigo
ser eu mesmo, às vezes
sou outro, irreconhecível
zonzo de existir assim
outro
não o mesmíssimo
apesar da face
das mãos e olhos
do hálito da boca
apesar de tudo

outro
outro dentro de mim
um guerreiro angustiado
sem armas adequadas
de mãos atadas
herói capturado

JOSÉ CRAVEIRINHA - GRITO NEGRO




GRITO NEGRO

JOSÉ CRAVEIRINHA

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.  
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão, 
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

sábado, 12 de outubro de 2013

LEMBRANÇAS - MÁRCIO CASTRO DAS MERCES




LEMBRANÇAS

MÁRCIO CASTRO DAS MERCÊS

Era uma vez... num lugar...
Eu me lembro bem.
Uma floresta cheínha de flores
eu conheci
Onde à tardinha eu ouvia cantar feliz
os bem-te-vis.
Que saudade...
dos perfumes, do verde, do ar...
dos riachos cristalinos
refletindo o sol...
Amiga Natureza
faz que tua Pureza
envolva a humanidade
num abraço de Luz e Paz...
Que no coração criança da Terra
renasça a Esperança...