quarta-feira, 6 de abril de 2016

REINALDO FERREIRA - FLOR DE LAPELA




FLOR DE LAPELA

REINALDO FERREIRA

Pequeno ser
Que deu prazer,
E ao cabo, num ocaso descorado, 
Jaz no passeio, abandonado,
Sem mágoa e sem memória.

Não é diversa a trajetória
Das flores maiores que somos nós.

Exibe-nos a Vida na lapela; a glória
Dura o que dura uma manhã de sol. Após,
Esgotada a cor, extinto o perfume,
A mão que nos colheu lança-nos fora,
Pra que nos leve a carroça do estrume
Que vem na madrugada,
Ou, se chover, nos leve a enxurrada.

Flor ou bicho, 
Ou criatura,
Tudo é lixo
Na sepultura.

ALICE RUIZ - SE




SE

ALICE RUIZ

se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até o amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT - LUCIANA


     

 LUCIANA

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT

As raparigas que dançavam,
Luciana, a pálida, todas
Como frutos apodrecerão
Porque só há um destino
Com muitos caminhos, embora.

Depois outras raparigas é que dançarão.
Luciana passará com o seu sorriso triste,
Suas mãos brancas repousarão - 
Porque só há um destino
Com muitos caminhos, embora.

Cada um conhece o seu destino:
Luciana, a pálida, e as outras também,
Todas as raparigas que dançavam - 
Cada um traz seu destino no rosto,
No rosto de Luciana e das outras também.

Em breve, todas as figuras mudarão:
Serão outras, tudo terá passado - 
Os homens e as mulheres, o salão,
Os móveis - nem lembrança sequer restará.
Luciana terá desaparecido como a poeira da estrada.
Como a poeira, o tempo dispersará a fisionomia de Luciana:
E - atentai bem - Luciana não se repetirá.
Ninguém se repete no tempo. Cada um é diferente.
Cada um existe uma vez só e não é substituído.
Contemplai bem, pois, Luciana, que não se repete. 

MANUEL BANDEIRA - RONDÓ DOS CAVALINHOS




RONDÓ DOS CAVALINHOS

MANUEL BANDEIRA

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
Tua beleza, Esmeralda, 
Acabou me enlouquecendo.

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O sol tão claro lá fora,
E em minhalma - anoitecendo!

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
Afonso Reyes partindo,
E tanta gente ficando...

Os cavalinhos correndo,
E nós,cavalões, comendo...
A Itália falando grosso,
A Europa se avacalhando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minhalma - anoitecendo!

MANUEL LOPES - A GARRAFA


     

A GARRAFA

MANUEL LOPES

Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
            - se foi a criança
            ou o ladrão
            ou filósofo
            quem libertou a sua mensagem
            e a leu para si ou para os outros.

Que se destrua contra os recifes
ou role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
            ... se só de atirá-la às ondas vagabundas
            libertei meu destino
            da sua prisão?...

     

domingo, 14 de fevereiro de 2016

LÚCIO MORIGI - PORQUE VOCÊ NÃO SABE ERRAR




PORQUE VOCÊ NÃO SABE ERRAR

LÚCIO MORIGI

Duvido que Péricles se emocionou assim,
Ao contemplar sua Acrópole finda.
Em ruínas, agora se expõe a mim
Mística, mágica, imponente e linda.

Sentei-me numa pedra que perto jaz.
A pensar sobre o belo, chorei, confesso.
Eis que se apresenta formoso rapaz.
Teria Adônis do Olimpo egresso?

Com uma voz que soava ternura, 
Disse-me uma coisa libertadora.
Fiquei tão leve que fui às alturas.
Senti passar no passado a vassoura.

- Mais sabe da beleza externa
Quem sabe da beleza interior.
Tudo o que faz ou fez noutra era,
É e foi belo, mais que um primor.

Você que perde seu tempo raro
A se culpar e a se criticar,
Pois saiba que nunca errou, meu caro. 
O ser humano não sabe errar.

E o belo rapaz continuou:
- O homem nunca escolhe o pior. 
Acredite, você nunca errou.
Você sempre escolheu o melhor.

Noutros termos, foi feito o melhor,
Dentro da sua possibilidade.
Não no ideal que imaginou.
É que é grande o orgulho e a vaidade.

Se sempre escolheu o melhor,
Então, deixe ir o seu passado.
Seja lá a situação que for,
Fique sempre, sempre do seu lado.

Ao se culpar você diz o seguinte:
Que é impotente, que é menos e incapaz.
Se dos outros você é só ouvinte,
São eles que lhe dirigem, rapaz.

É colega, você nunca errou, 
Muito embora assim não acredite.
Como o filho que no exame ficou,
Por acaso ele errou? Você admite?

Ante à infinita bondade divina,
Você ainda está nos primeiros passos,
E não passa de uma criancinha.
Como é possível obter fracassos?

Jamais se arrependa do que está feito.
De outra forma não havia condição.
O que houve ou o que fez foi perfeito
Para seu estágio de evolução.

Aquele que se prende no passado,
Fica lá e como quer que o resto flua?
Transforme-o no bem, restando ao seu lado.
É que o bem libera e o mal segura.

Nós só fazemos o que nos convém.
Se era errado, então Deus foi negligente?
Tudo fazemos em função do bem.
É Deus fazendo através da gente.

Dê-se toda a importância possível. 
Valorize todos os atos seus.
Acontecerá, então, algo incrível:
Sentir-se-a em sintonia com Deus.

E se acaso a dúvida surgir,
Lembre-se: você é seu melhor guia.
Comece desde já a se ouvir.
Eu proponho a seguinte poesia:

"Só eu sei o que é melhor pra mim.
Eu me aceito incondicionalmente.
Só eu posso me fazer feliz.
Estarei comigo eternamente.

Tudo está correto em minha vida.
Eu sou perfeito do jeito que sou.
Só posso fazer a parte sabida.
Ao fazer-me a Vida acertou.

Eu me aceito e a Vida me aprova,
E eu fui feito para ser feliz.
A minha vida sempre se renova.
É certo o que faço, farei e fiz".

Quanto mais você se apoiar
E relevar a opinião alheia,
Mais descobre a alegria de estar,
De harmonia a vida é mais cheia.

Quando você se apoia e se aceita,
Veja o que está por trás dessa atitude.
É você dizendo: a Vida é perfeita.
'Stá em pleno caminho da plenitude.

E antes que o jovem partisse, pedi
Se ele havia feito filosofia.
- Quando andei pela Grécia não escrevi, 
Mas Platão registrou tudo com maestria.

AGOSTINHO DA SILVA - A QUEM FAZ PÃO OU POEMA




A QUEM FAZ PÃO OU POEMA

AGOSTINHO DA SILVA


A quem faz pão ou poema

só se muda o jeito à mão
e não o tema.

Atingira um silêncio tão de espanto

que era todo universo à sua volta
um seduzido canto.

E posto que viver me é excelente

cada vez gosto mais de menos gente.

Não sei quem manda na vida

mas a quem for eu me entrego
e o que queira me decida.

Pé firme leve dança

que o saber seja adulto
mas o brincar de criança.

JOSÉ LUÍS PEIXOTO - PALAVRAS PARA MINHA MÃE


      

PALAVRAS PARA MINHA MÃE

JOSÉ LUÍS PEIXOTO

mãe, tenho pena, esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir  desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia 
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás de fingir que não 
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

      

PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS - CÉUS NOSSOS




CÉUS NOSSOS

PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS

Céus nossos, terra nossa,
nossa é a graça,
a graça de existir por um momento.

Chamas, ensinai-nos a lição
de iluminar morrendo.

BRUNO TOLENTINO - O SEGREDO...




O SEGREDO...

BRUNO TOLENTINO

O Cristo não é
um belo episódio
da história ou da fé:

nem um clavicórdio
nos dedos da luz,
nem um monocórdio

chamado da Cruz.
O crucificado
chamado Jesus

é o encontro marcado
entre a solidão
e o significado

do teu coração:
de um lado teu medo
teu ódio, teu não;

do outro o segredo
com seu cofre aberto, 
onde teu degredo,

onde teu deserto,
vão morrer, mas vão
morrer muito perto
da ressurreição.


ANTONIO BRASILEIRO - CEM ANOS




 CEM ANOS

ANTONIO BRASILEIRO

Vejo mãos que me folheiam
buscando-me a fisionomia - 
            mas já passei, agora
            sou apenas poesia.

Vejo rostos que me amam
tentando saber quem fui -
            sou um retrato, miragem
            que o tempo dilui.

Vejo braços que me acenam
chamando-me insistentemente - 
            para que, se a folha que passa
            passa tão de repente?

NEL CÂNDIDO - RECORDO...




RECORDO...

NEL CÂNDIDO

Recordo, quando jovem
eu desejei tocar
com minha mão o céu,
co'os dedos as estrelas.
Grisalho vou ficando,
sentado na varanda, 
olhando as estrelas
que brilham à distância,
agora inalcançáveis.

MANUEL BANDEIRA - POUSA A MÃO NA MINHA TESTA




POUSA A MÃO NA MINHA TESTA

MANUEL BANDEIRA

Não te doas do meu silêncio:
Estou cansado de todas as palavras.
Não sabes que te amo?
Pousa a mão na minha testa:
Captarás numa palpitação inefável
O sentido da única palavra essencial
- Amor.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

CILADA


   

CILADA

D'CARLO/ JOSÉ GIACOMELLI


A noite sempre companheira

Era o meu abrigo
Perdido em meus pensamentos
Eu olhava o mar
A brisa que se misturava
Ao meu choro doído
Trazendo a minha esperança
De te ver voltar

Palavras que você me disse

Ficaram marcadas
As juras que você me fez
Eu não posso esquecer
Jamais pensei que o nosso caso
Fosse uma cilada
A gente era tão feliz
E não pensava em nada

Agora estou a esperar

Que você venha me buscar
O meu coração já não bate
De tanta saudade
O nosso amor foi tão bonito
Por que não recomeçar?
A vida já não tem valor

Se você não voltar


CANTA: JOÃO MINEIRO E MARCIANO






CANTA: MARTINHA




  

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

MANOEL DE BARROS - O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS


      

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

MANOEL DE BARROS

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões. 
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado 
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato 
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

      

AFONSO FÉLIX DE SOUSA - SONETO AOS PÉS DE DEUS I


    

SONETOS AOS PÉS DE DEUS I

AFONSO FÉLIX DE SOUSA

Eu bato, eu bato, eu bato à tua porta,
bato sem ver que a porta está aberta.
Sem ver-te, sei, tua presença é certa, 
e tento orar, mas minha voz é torta.
A luz que vem de ti em dois me corta,,
e do que fui e sou outro desperta. 
Não posso, assim, a ti dar-me em oferta,
pois já nem sei que ser meu ser comporta.
Tudo o que busco dás, dás de sobejo,
pois sabes mais do que eu o que desejo,
e estás comigo e em mim, sempre a meu lado.
Comigo estás na paz e nas pelejas.
Por tudo o que me dás louvado sejas,
por tudo o que não dás sejas louvado.

    

REINALDO FERREIRA - SE EU PUDESSE GUARDAR OS TEUS SENTIDOS




SE EU PUDESSE GUARDAR OS TEUS SENTIDOS

REINALDO FERREIRA

Se eu pudesse guardar os teus sentidos
Numa caixa de prata e de cristal,
Entre conchas do mar, búzios partidos, 
Pequenas coisas sem valor real...

Se eu pudesse viver anos perdidos
Contigo, numa ilhota de coral,
Para além dos espaços conhecidos,
Mais longe do que a aurora boreal...

Se eu soubesse que o olhar de toda a gente
Te via, por milagre, repelente,
Que fugiam de ti como da peste...

Nem assim abrandava o meu ciúme,
Que é afinal o natural perfume
Da flor do grande amor que tu me deste.

J. G. DE ARAÚJO JORGE - DESESPERO




DESESPERO

J. G.  ARAÚJO JORGE

Só um desejo lhe acode no momento,
em que ao mistério da noite
os olhos eleva...

Ter o destino daquele asteroide que se incendiou
e mergulhou na treva...

GUILHERME DE ALMEIDA - ESSA QUE EU HEI DE AMAR...




ESSA QUE EU HEI DE AMAR...


GUILHERME DE ALMEIDA

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela...
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz... - Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste...

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"

REINALDO FERREIRA - PERGUNTAS-ME QUEM SOU? SOU ASTRO ERRANTE


   

PERGUNTAS-ME QUEM SOU? SOU ASTRO ERRANTE

REINALDO FERREIRA

Perguntas-me quem sou? Sou astro errante
Que um sol dominador a si chamou,
E, cego do seu brilho rutilante,
Se queima nessa luz que o encantou!

Meus passos de inseguro caminhante,
Submisso ao olhar que os escravizou,
Caminham para Ti em cada instante
e tu ainda perguntas quem eu sou!

Eu sou aquilo que de mim fizeste,
Sou as horas sombrias que me deste
A troco da ternura que te dei.

Perguntas-me quem sou? Nome de Cristo, 

Eu nada sou, Amor, eu nem existo,
Mas querendo tu, Amor, tudo serei!

   

J. G. DE ARAÚJO JORGE - ESPERANÇA




ESPERANÇA

J. G. DE ARAÚJO JORGE

Não! A gente não morre quando quer,
Inda quando as tristezas nos consomem.
Há sempre luz no olhar de uma mulher
E sangue oculto na intenção de um homem.

Mesmo que o tempo seja apenas dor
E da desilusão se fique prisioneiro.
Vai-se um amor? Depois vem outro amor
Talvez maior do que o primeiro. 

Sonho que se afogou na baixa-mar,
De novo há de erguer, cheio de fé,
Que mesmo sem ninguém o suspeitar, 
Volta a encher a maré.

Não penses que jamais hás de achar fundo
Nem que entre as tuas mãos não terás outra mão.
Pode a vida matar o sonho e o sol e o mundo,
Mas não nos mata o coração.

DONIZETE GALVÃO - SIMULACROS


   

SIMULACROS
                 Para Christina Menezes de Azevedo

DONIZETE GALVÃO

Senhoras e senhores, o circo já ergueu sua lona.
Vêm o prefeito, a beldade, as mulheres da zona.

Todos se divertem com o espetáculo do ilusório.
Está aberto o reino do precário e do provisório.

Rufam todos os tambores, abrem-se as cortinas.
Nossa trupe mambembe exibe suas dores e sinas.

A orquestra toca Bolero: o ritmo vais crescendo.
A fraque do maestro tem no braço um remendo.

Eis Crystal Kimberley, a rainha do strip-tease.
Saiu do sertão do Sergipe, de nome Wandernise.

A mulher-rã, contorcionista vinda do circo russo,
Depila pernas e sovacos, mas se esquece do buço.

Com vocês, uma feroz leoa da savana africana.
Barriga vazia, não come gato há uma semana.

A pássara Tatiana, trapezista bela e impávida, 
Esconde do amante domador que está grávida.

Anaïs, índia guarani, que é exímia equilibrista,
Carece de vitaminas e de ir urgente ao dentista.

Alegria da criançada, o nosso palhaço Arrebita,
No trailer sujo, teve macarrão e ovo na marmita.

De noiva, vai-se casar uma anã, loira oxigenada.
Que graça! Puxam-lhe o vestido e ela corre pelada.

Aplausos para o salto mortal de sonho e pobreza.
Onde uns vêem o belo, outros enxergam a tristeza.

   

domingo, 3 de janeiro de 2016

LÚCIO MORIGI - MAS, PARIS NÃO ESTÁ AQUI











MAS, PARIS NÃO ESTÁ AQUI

LÚCIO MORIGI


A rosa que agora vejo,
Vale mais que os perfumes de Paris. 
A boca que agora beijo
Vale mais que as bocas que sempre quis.

O cravo que agora cheiro,
Vale mais que os perfumes de Paris.
A fruta que ora saboreio,
Vale mais do que os gourmets ont dit.
O sorriso que me sorri,
Vale mais que o sorriso que o Louvre esconde.
A alegria junto de ti,
Vale mais que todas as alegrias du monde.
A brisa que agora sinto,
Vale mais que Thais de Massenet.
Se não estou no agora eu minto.
Pra que ficar me iludindo, pra quê?
O espelho que ora me reflete,
Me revela mais de mil detalhes.
Com sua beleza não compete
O esplendor do Château de Versailles.
Mais que a tarde que agora curto,
Catherine Deneuve não vale pro seu fã,
A não ser que ela estivesse junto.
Então, a tarde encontraria a manhã.
O pássaro que agora ouço,
Vale mais que o mundo de Cousteau.
Seu canto mesmo que rouco,
Vale mais que o que Edith Piaf cantou.
Vale mais o segundo do meu agora,
Que quarenta séculos que nos contemplam.
De que vale Paris se ela está lá fora?
A ilusão na matéria não se sustenta.
A folha que agora vejo caindo,
Vale mais que a Champs Elisées no outono.
O marrom da folha se exibindo
Diz que o flamboyant não é mais seu dono.
A alameda que agora atravesso,
Vale mais que todo Cartier Latin.
De que vale Renoir e seu universo,
Se um mar nos separa nesta manhã?
Vale mais este gelado suco
Que uma Moet Chandom lá na France.
O que escreveu e pensou Victor Hugo,
No momento não está ao meu alcance.
Se a Notre Dame falasse,
Falaria da oração pra ti.
Mais vale a prece que ora nasce
Que as milhões de preces que ouvi.
Se o Arco do Triunfo falasse,
Diria que Napoléon a passé.
Que não importa se fracassaste,
Le jour de gloire est arrivé.
Da laranja eu quero um gomo,
Do limão, quero um pedaço.
O abraço do mundo todo,
Não vale o teu abraço.
O cravo amou a rosa
Debaixo de uma sacada.
O cravo saiu querido
E a rosa saiu amada.
Tua voz no meu ouvido
É mais que La Vie en Rose cantada.
Ciranda, cirandinha,
Vamos todos cirandar.
Mais vale uma brincadeirinha
Que dois Moulins Rouges no ar.
O amor que tu me deste
Era vidro e se quebrou.
O vestido que agora vestes
Vale mais que os que Chanel usou.
Batatinha quando nasce,
Espalha a rama pelo chão.
Se a torre Eiffel falasse,
Falaria da ilusão,
E que tudo o que viu na place,
Pra ti não vale um tostão.
Terezinha de Jesus,
De uma queda foi ao chão.
Mais vale a tua luz
Que as que Paris tem à mão.
Joguei um cravo n’água,
De pesado foi ao fundo.
Mais vale a luz de tu’alma
Que todas as luzes do mundo.