quinta-feira, 22 de agosto de 2013

AMÉLIA VEIGA - INFÂNCIA



INFÂNCIA

AMÉLIA VEIGA

oh! como estão longe 
as manhãs da infância!...
o céu desvairado de perfume e azul
e a "menina-princesa"
no terraço,
com a alma acesa
e embriagada de perfume e azul...

as mãos! - borboletas
inquietas
desventrando mistérios,
espargindo milagres e luar - 
mãos de menina 
no destino de esperar...
esperar...

"moura-encantada"
no fascínio do próprio sonho
impreciso e flutuante...
menina enfeitiçada
de asas transparentes
a extravasar ternura
e amor,
na incessante procura
do paraíso-maior

a menina que fui!
distante... distante...

já nada tem importância!

e na parede da vida
o passado que rolou
é uma "natureza- morta"
dum pintor que se matou...

TOMAZ KIM - CEGA-REGA




CEGA-REGA

TOMAZ KIM

os continentes são as cinco chagas
a ferro e fogo escritas no meu peito
como pétalas murchas de sangue e

o meu sangue é todo o sangue
escorrendo dos quatro pontos cardeais
como lava abafando a minha voz e

a minha voz é una e legião
rasgando a treva em que nos afundamos
como ave liberta subindo o céu e 

o meu céu será a alegria 
dos que vivem e morrem e sabem.

ALCEU WAMOSY - A TORTURA




A TORTURA

ALCEU WAMOSY

Que triste é ser assim, forte e descrente!
Não ter o alívio das consolações
que vêm do pranto bom, do prato ardente,
e do bálsamo ideal da orações!

Não poder ser igual a toda a gente!
Trazer o coração, dos corações
dos outros seres todos, diferente:
viúvo de crenças, ermo de ilusões!

E, nas horas amargas da desgraça, 
quando a procela da alma ulula e cresce,
como um terrível furacão que passa,

ante a explosão de desespero tanto,
a boca ter fechada para a prece,
ter os olhos rebeldes para o pranto!...

ANTONIO MIRANDA - MATURIDADE


  

MATURIDADE

ANTONIO MIRANDA

Eu sou um privilegiado
e nem percebia:
vivo a minha fantasia.

Tenho tanto
em tão pouco
mas não me basto
no pleno usufruto
do qu'eu queria.

   

terça-feira, 20 de agosto de 2013

JOSÉ ALBANO - SONETO DO AMOR




SONETO DO AMOR

JOSÉ ALBANO

Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
E deste mundo enfim tão esquecido,
É por o seu cuidar num só sentido
E todo o seu sentir num só tormento.

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido por dinheiro,
E entre ladrões morrer crucificado.

OLEGÁRIO MARIANO - A CANÇÃO DA SAUDADE




A CANÇÃO DA SAUDADE

OLEGÁRIO  MARIANO

Que tarde imensa e fria!
Lá fora o vento rodopia...
Dança de folhas... Folhas, sonhos vãos
Que passam, nessa dança transitória,
Deixando em nós, no fundo da memória,
O olhar de uns olhos e a carícia de umas mãos...

Ante a moldura de um retrato antigo,
Põe-se a gente a evocar coisas emocionais.
Tolda-se o olhar, o lábio treme, a alma se aperta,
Tudo deserto... a Vida em torno tão deserta!
Que vontade nos vem de sofrer mais!

Depois, há sempre um cofre e desse cofre
Tiramos velhas cartas, devagar...
É a volúpia enervante de quem sofre:
Ler velhas cartas e depois chorar.

Que tarde imensa e fria!
Nunca mais beijarei os teus dedos glaciais.
Lá fora o vento rodopia...
Que desejo me vem de sofrer mais!

sábado, 17 de agosto de 2013

NEL CÂNDIDO - BATE A MORTE À MINHA PORTA E ME ASSUSTA




BATE A MORTE À MINHA PORTA E ME ASSUSTA

NEL CÂNDIDO

Bate a morte à minha porta e me assusta,
pois consigo traz o meu esquecimento.
Encaminha-se ritmada e augusta,
nada a pára, qualquer seja o argumento.

Sinto próxima a mim a Ceifadora,
com a foice preparada pr'a colheita.
Já aberta de Atropos a tesoura,
esta Parca que a minha vida espreita.

Continua minha arte sem leitor,
um anônimo escritor desconhecido
sou e é esta a minha tão imensa dor;
um autor (e obra) no tempo perdido.

Minha vida foi sonhada desde cedo
doação à bela arte literária.
Não entendo minha vida em degredo,
entre autores ter sido simples pária.

Bate-me a morte à minha porta e eu arrumo
meus escritos como uno testamento
e a quem os ler, saiba que assumo:
fui poeta nunca lido: eis meu lamento.

JAYME DE ALTAVILA - FIM DE ROMANCE




FIM DE ROMANCE

JAYME DE ALTAVILA

Tanto projeto de ventura,
Tanta promessa de alegria,
Tanto prenúncio de doçura
Para algum dia...

Tanta esperança enverdecida,
Tanta volúpia crepitante,
Tanta ilusão para uma vida
Muito distante...

Tanta miragem de oiro e rosa,
Tanto desvelo prematuro,
Tanta beleza esplendorosa
Para o futuro...

Tantos anseios de carícia,
Tantos desejos a florir,
Tanta emoção, tanta primícia
Para o porvir...

Tanta loucura imaginada,
Tantos castelos e, ao depois...
Depois, descrença... Depois, nada...
(Que será feito de nós dois?)

BERNARDO DE PASSOS - SOMBRA



SOMBRA

BERNARDO DE PASSOS

Nestes ermos, ouvindo a voz das fontes,
de humildes alegrias fui pastor;
meus rebanhos guardava com amor,
contemplando os longínquos horizontes...

Árvores maternais, que ergueis as frontes
verde-tristes, num gesto criador,
junto a vós semeei sonhos em flor,
que vestiram de rosas estes montes...

Mas tudo - riso e sonho - me levaram...
Perdi meu gado, meus jardins secaram,
já neles não há rosas nem alfombras!

Doura a tarde estes ermos de abandono...
E eu passo - folha morta dum Outono,
sombra vaga a errar por entre sombras!

FAGUNDES VARELA - DESPONTA A ESTRELA D'ALVA...




DESPONTA A ESTRELA D'ALVA...

FAGUNDES VARELA

Desponta a estrela d'alva, a noite morre,
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores,
Lânguidas queixas murmurando, corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias d'aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!

ALPHONSUS DE GUIMARAENS - NÁUFRAGO




NÁUFRAGO

ALPHONSUS DE GUIMARAENS

E temo, e temo tudo, e nem sei o que temo.
Perde-se o meu olhar pelas trevas sem fim.
Medonha é a escuridão do céu, de extremo a extremo...
De que noite sem luar, mísero e triste , vim?

Amedronta-me a terra, e se a contemplo, tremo.
Que mistério fatal corveja sobre mim?
E ao sentir-me no horror do caos, como um blasfemo,
Não sei por que padeço, e choro, e anseio assim.

A saudade tirita aos meus pés: vai deixando
Atrás de si a mágoa e o sonho... E eu, miserando,
Caminho para a morte alucinado e só.

O naufrágio, meu Deus! Sou um navio sem mastros.
Como custa a minha alma a transformar-se em astros,
Como este corpo custa a desfazer-se em pó!

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

JOSÉ MARIA ALVES - SEGUREI A FACA NA LÂMINA


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SEGUREI A FACA NA LÂMINA

JOSÉ MARIA ALVES

Segurei a faca na lâmina
Cortei a alma em pedaços.
Agora seguro-a no cabo
E como o rosmaninho do pinhal,
Como o trigo do campo
Descanso na brisa matinal.

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J. G. DE ARAÚJO JORGE - DESARVORADO NAVIO




DESARVORADO NAVIO

J. G. DE ARAÚJO JORGE

A verdade é que depois que tu partiste
vou ficando cada vez mais triste, 
cada vez mais morto,
de amor em amor, como um navio
de porto em porto...

Nesta angústia em que morro,
a olhar o céu vazio,
sem uma estrela para me guiar, 
tenho a impressão de que vou acabar, como esse navio,
soçobrando, sem socorro,
na solidão do mar...

JAYME GUIMARÃES - DE VOLTA




DE VOLTA

JAYME GUIMARÃES

Fomos... E quem nos visse pensaria:
- Que almas felizes! que casal ditoso!
- Como ele vai a estremecer de gozo!
- E ela, como é formosa! que alegria!

Voltei sozinho e ao passar ouvia:
- Que olhar magoado!... Como vai choroso!
E uma voz que sangrou meu peito ansioso:
- Louco daquele que no Amor confia!

Falena! a luz de um riso eis-te perdido!
Foste cheio de Fé, voltas descrido
e o desengano o teu caminho junca...

- "Hás de esquecê-la"! ouvi dizer ao lado...
Meu coração responde, estrangulado:
- Odiá-la , sim, mas esquecê-la, nunca!

LUIZ EDMUNDO - OLHOS ALEGRES




OLHOS ALEGRES

LUIZ EDMUNDO

Há uma lágrima, sempre, atenta em nossos olhos:
branca, redonda, clara, adamantina, pura;
e, assim como no mar os traiçoeiros escolhos, 
ela, escondida, a flor das pálpebras procura.

E, ai fica parada; os íntimos refolhos
da nossa alma reflete, e, quando uma ventura
em riso nos entreabre os lábios, com doçura,
ela, a lágrima, fica a nos tremer nos olhos.

Tu, que és moça e que ris, e não sabes da mágoa
do mundo, tem cuidado! Olha essa gota d'água;
se não queres, da vida, achar-te entre os abrolhos,

ri, mas ri devagar, que a lágrima traiçoeira,
talvez, vendo-te rir assim, dessa maneira, 
trema e caia, afinal, um dia dos teus olhos!