sábado, 20 de junho de 2015

ALPHONSUS DE GUIMARAENS - DEUS É A LUZ CELESTIAL


    


DEUS É A LUZ CELESTIAL

ALPHONSUS DE GUIMARAENS

Deus é a luz celestial que os astros unge e veste,
E dessa eterna luz nós todos fomos feitos.
Um fulgor de orações brilha nos nossos peitos:
É o reflexo estelar dessa origem celeste.

O homem mais louco e vil, cuja alma ímpia se creste
Aos fogos infernais dos mais torpes defeitos,
De vez em quando sente esplendores eleitos,
Que tombam nele como o luar sobre um cipreste.

Quem não sentiu no peito a carícia divina,
A enchê-lo de clarões na transparência hialina
De um astro que cintila em pleno azul sem véus?

Tudo é luz na nossa alma, e o mais vil, o mais louco,
Bem sabe, que esta vida é um sol que dura pouco
E que Deus vive em nós como dentro dos céus...

   

POESIAS PSICOGRAFADAS - VOZ DO SÉCULO




VOZ DO SÉCULO

ANTERO DE QUENTAL 
               (Psicografia de Francisco Cândido Xavier)

Ouvi a voz do século exclamando:
"Ó triste geração envenenada
Pela descrença sistematizada,
O teu destino é amargo e miserando.

Vives com a tua ciência arquitetando
As organizações da nova estrada
Sobre a ideia amaríssima do nada,
O caminho do abismo formidando!...

Apesar dos teus passos de gigante,
Chorarás quando a morte deslumbrante
Eliminar teu sonho deletério...

Cessa a vaidade da sabedoria,
Pois na luta e na dor de todo dia,
Deus te confundirá com o Seu mistério!...

FERNANDO ASSIS MONTEIRO - O DIA EM QUE NASCI


   

O DIA EM QUE NASCI

FERNANDO ASSIS MONTEIRO

O dia em que nasci meu pai cantava
versos que inventam os pastores do monte
com palavras de lã fiada fina
cordeiro lírio neve tojo fonte

esta é uma velha história de família
para dizer como ele e eu chegamos
à raiz mais profunda do afeto
da qual nunca jamais nos separamos

nem Deus feito menino teve um pai
que o abraçasse e lhe cantasse assim
desde a primeira hora até o fim

fui vê-lo ao hospital quando morria
olhos parados num sorriso leve
tojo cordeiro lírio fonte neve  

   

FRANCISCO CARVALHO - ENGANO & ESPERANÇA


    

ENGANO & ESPERANÇA

FRANCISCO CARVALHO

                             Se por experiência se adivinha,
                             Qualquer grande esperança é grande engano. 
                                                                                          (Camões)


Se por experiência se adivinha
se pela nuvem se conhece o vento
se por amor dormimos ao relento
sob o orvalho dos seios da vizinha

Se o mar gorjeia, pássaro e elemento
se põe seus ovos antes da galinha
se o rei decreta a morte da rainha
e dela se liberta o pensamento.

Se o corpo volta à infância da caverna
se a esfinge nos decifra e nos devora
se a volúpia do enigma nos governa

Se viver ou morrer é sempre um dano
se o acaso nos golpeia antes da aurora
qualquer grande esperança é grande engano.

    

ANTONIO BRASILEIRO - A NOITE DAS NOVE LUAS


   

A NOITE DAS NOVE LUAS

ANTONIO BRASILEIRO

Deixai-me com meus lírios e minhas luas.
         
        Andar é sempre a mesma
            luz
            à frente.

       Vou explodir com os planetas
        vou seguir a rota das galáxias
            ai amor
            estou prestes a me dissolver
            no ar.
            
         Mas deixai-me com meus lírios
         e interlúdios
         nestes mares nunca mares calmos mares.

Deixai-me com meus lírios

         e sonetos.
         Vou explodir de luz um dia desses,
         amiga, um dia desses.
         Deixai-me com meus lírios
         e sonetos.

         Hás de me encontrar
         insone e louco
         no meio dos trigais da inconsciência,
            ai, declamando
            os versos que Van Gogh
            não escreveu.

   

LAERT WANDERLEY NAVARRO LINS - EU


   

EU

LAERT WANDERLEY NAVARRO LINS

Eu, talqualmente, todos os mortais, 
Vivo algemado à leis da Natureza;
Se tenho em mim blandícias sensuais,
Sinto, às vezes, assomos de maleza.

Tudo, na vida, é instável e fugaz;
E eu, plenamente certo da certeza,
De que todos os homens são iguais,
De mim afasto a ideia de grandeza.

Quero, mesmo, ser como toda a gente,
Que, neste Mundo mísero e inclemente,
Suporta as contingências da matéria!

É insano aquele que, visando a glória,
Trabalha para se inscrever na História,
De um Mundo de maldade e de miséria!


   

quarta-feira, 17 de junho de 2015

EGITO GONÇALVES - COM PALAVRAS




COM PALAVRAS

EGITO GONÇALVES

Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
com elas eu me deito, me levanto, 
e faltam-me palavras para contar...

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE - NÃO SE MATE


   

NÃO SE MATE

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija, 
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável, 
rezas, 
vitrolas,
santos que se persignam, 
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de que, pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

   

OLEGÁRIO MARIANO - CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA


       

CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA

OLEGÁRIO MARIANO

Ele sonhou demais e amou demais. Cansado,
Osso e pele, da cor de antigos pergaminhos,
Olha a lança quebrada, o escudo esfacelado,

E os pés sangrando da aspereza dos espinhos.

Se a aventura o levou por todos os caminhos,
Não teve a humilhação do sonho malogrado.
Atirou-se de encontro aos moinhos e os moinhos
De asas tontas, lá estão no céu, de lado a lado...

Herói, sentiu na luta a glória do fracasso
Mas fez brotar do fundo sulco do seu passo
A flor do Ideal que deu renome ao Campeador:

Todos temos na vida uma alma igual à sua:
Um velho Sancho que nos segue pela rua
E um velho amor que não existe... Um pobre amor.

       

MARCO ANTONIO CARDOSO - EU TENHO MEDO DE AMAR




EU TENHO MEDO DE AMAR

MARCO ANTONIO CARDOSO

O amor ainda está lá fora
Esperando eu sair pra me atacar.
Eu tenho medo de amar.
Ele está armado com bombons e buquês.
E agora, eu vou fazer o que?
Eu tenho medo de amar.
O amor é corajoso e esperto,
Anda por aí, de peito aberto.
Eu tenho medo de amar.
O amor quer bater dentro de mim,
Quer ser começo, meio e fim.
Eu tenho medo de amar.
Eu esperei escurecer e ele ainda está lá,
Pois é à noite que ele gosta de atacar,
E eu ainda tenho medo de amar.

INSENSATEZ - TOM JOBIM / VINÍCIUS DE MORAES


     

INSENSATEZ

TOM JOBIM / VINÍCIUS DE MORAES

Ah, insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor o seu amor
Um amor tão delicado

Ah, por que você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração, quem nunca amou
Não merece ser amado

Vai, meu coração, ouve a razão
Usa só sinceridade 
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade

Vai, meu coração, pede perdão
Perdão apaixonado
Vai, porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado









     

sábado, 6 de junho de 2015

MIA COUTO - SAUDADE




SAUDADE

MIA COUTO

Que saudade
tenho de nascer.
Nostalgia
de esperar por um nome
como quem volta
à casa que nunca ninguém habitou.
Não precisas da vida, poeta.
Assim falava a avó.
Deus vive por nós, sentenciava.
E regressava às orações.
A casa voltava
ao ventre do silêncio
e dava vontade de nascer.
Que saudade 
tenho de Deus.

OLEGÁRIO MARIANO - ARREPENDIMENTO




ARREPENDIMENTO

OLEGÁRIO MARIANO

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento,
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos à merce de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idêntico suplício:
Tu - corroída de pena e de remorso,
Eu - com vergonha do meu sacrifício.

ANTONIO BRASILEIRO - COISAS GUARDADAS




COISAS GUARDADAS

ANTONIO BRASILEIRO

Florzinha branca,
quando eu me libertar de tudo isso...


OLEGÁRIO MARIANO - HUMILDADE


  

HUMILDADE

OLEGÁRIO MARIANO

Humildade da mão que pede esmola
Envergonhada por estar vazia.
Humildade da flor que abre a corola
Pedindo à luz que seja menos fria.

Humildade daquele que se isola
De tudo porque a tudo renuncia.
E pelo amor, de queda em queda, rola
Na eterna humilhação de cada dia.

Humildade da sombra que acompanha
O poeta ungido de serenidade...
Humildade da lua na montanha.

Humildade dos olhos das ovelhas...
Humildade das fontes... Humildade
Dos beirais onde choram velhas telhas...

  

MARCO ANTONIO CARDOSO - EU VEJO A FOME




EU VEJO A FOME

MARCO ANTONIO CARDOSO

Eu vejo a fome,
E ela corrói minha alma.
Eu vejo a dor daqueles que têm fome.
É uma dor física, mas também espiritual.
Eu vejo a fome por justiça,
E a dor da vergonha.
Eu vejo a fome,
E ela me observa, distante.
Enquanto tão perto eu a sinto,
Eu vejo e não faço nada.
Eu vejo e cerro meus olhos,
E me torno um covarde.
Eu vejo a fome, ela mata.
Eu continuo inerte, cúmplice.
E até quando verei com os olhos,
Enquanto mantenho cega minha alma?
Eu vejo a fome,
E ela é um espelho.

FRANCISCO CARVALHO - CIÊNCIA




CIÊNCIA

FRANCISCO CARVALHO

Dizem que a ciência é exata
tão exata que às vezes 
o tiro sai pela culatra.

Dizem que a ciência
de tão exata
não ata nem desata.

Dizem que está ficando chata
e quando não mata
desidrata.

ANTÓNIO MANUEL PIRES CABRAL - FOI PARA ISSO QUE OS POETAS FORAM FEITOS



 
FOI PARA ISSO QUE OS POETAS FORAM FEITOS

ANTÓNIO MANUEL PIRES CABRAL

semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idônea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos