terça-feira, 22 de setembro de 2015
CIRO COSTA - ROSAS
ROSAS
CIRO COSTA
Beijo-te as lindas mãos com que me feres.
As lindas mãos com que me feres, beijo.
Entre os desejos meus eu só desejo
ter a vaga ilusão de que me queres.
E é só. E é tudo. Entanto, se puderes
acolhe com um sorriso o meu cortejo.
Já não me iludo ao ver-te qual te vejo
uma mulher como as demais mulheres.
Ao teu jugo, ai de mim! estou sujeito.
Se há goivos que vicejam no meu peito
vivo contigo, amor, em pensamento.
Toda mulher é rosa - aroma e espinho.
Todo homem é um farrapo solto ao vento
mas, ai dele! sem rosas no caminho...
OLEGÁRIO MARIANO - AQUELA NOITE...
AQUELA NOITE...
OLEGÁRIO MARIANO
Depois de errar no parque embebida em fragrância,
A lua imaterial veio à minha janela
Para me perguntar: "Não a vês à distância?
Pois eu estou daqui com os olhos postos nela."
"No pequeno balcão da sua casa quieta
Vejo seu vulto longe e sigo
Seu pensamento a voar à procura de um poeta
Que além do seu amor é o seu maior amigo."
"Jogo de quando em quando a minha luz prateada
Nos seus cabelos indomáveis para vê-los
Iluminados como uma estranha alvorada...
Há uma festa de luz, um incêndio em seus cabelos."
"Pressinto a inquietação do seu olhar ardente
Onde crepita a chama viva de um desejo.
A sua boca se desfolhou de repente
Quando o vento jogou nos seus lábios um beijo."
"Esse vento que vem numa corrida estranha
Traz de longe a romântica mensagem
Que das bandas do mar para o alto da montanha
Alguém lhe manda, alguém que é a sua própria imagem."
Não pude mais. Bati num ímpeto a janela
Para que a minha noite fosse calma.
Mas a sombra que entrou no quarto e na minh'alma
Aumentou minha angústia. Era a saudade dela.
REINALDO FERREIRA - SE EU NUNCA DISSE QUE OS TEUS DENTES
SE EU NUNCA DISSE QUE OS TEUS DENTES
REINALDO FERREIRA
Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São d'ônix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ônix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo olhos, lábios, dentes.
SAMBA EM PRELÚDIO
SAMBA EM PRELÚDIO
LETRA: VINÍCIUS DE MORAIS
MÚSICA: BADEN POWELL
Eu sem você
Não tenho porquê
Porque sem você
Não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar...
E eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você meu amor
Eu não sou ninguém...
Ah! Que saudade!
Que vontade de ver
Renascer nossa vida
Volta querido
Teus abraços
Precisam dos meus
Os meus braços
Precisam dos teus...
Estou tão sozinha
Tenho os olhos cansados
De olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você meu amor
Eu não sou ninguém...
CANTAM: VINÍCIUS DE MORAES E MARIA CREUZA
EUGÉNIO DE ANDRADE - SÊ PACIENTE; ESPERA
SÊ PACIENTE
EUGÉNIO DE ANDRADE
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.
WAGNER BORGES - SOL NA CARA
SOL NA CARA
(Presente da Presença)
WAGNER BORGES
(A Luciano Rodrigues Maranhão)
Quando o coração está triste, o olhar fica cinzento.
E o mundo todo parece opaco.
Mas isso é só ilusão, é falta de sol nos sentimentos.
Porque, quando o Amor está presente, a Luz bate na cara!
Então se diz que o olhar ganha o brilho do amanhecer.
Os mestres celtas ensinavam isso e admiravam-se com o novo dia.
Diziam que a aurora emergia do útero da madrugada.
Assim como, no homem, surge o raiar da aurora no seu olhar...
Vindo do centro do seu coração.
Ah, quando a Luz bate na cara, não há dúvidas: é Sol de Amor.
E o mundo ganha nova vida...
Os mestres celtas sabia disso e diziam que não há melhor presente.
Sim, um presente da Presença.
E eles também ensinavam que quando o coração fala ao coração...
Não há mais nada a dizer.
MIA COUTO - COMPANHEIROS
COMPANHEIROS
MIA COUTO
quero escrever-me de homens
quero calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo-vos
a paciência dos rios
a idade dos livros que não se desfolham
mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me às vezes viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
por hora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-me saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
J. G. DE ARAÚJO JORGE - GOSTARIA
GOSTARIA
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Queria compartilhar contigo os momentos mais simples
e sem importância.
Por exemplo:
sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,
ver-te feliz ao meu lado
alheia a todo mundo que passasse.
Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,
tomar sorvete, sentar num restaurante
diante do mar,
olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo
despreocupadamente,
e conversar sobre "nós" - esse "nós" clandestino
que se divide em "tu e eu"
quando chega gente.
Encontrar alguém que perguntasse: "Então, como vão vocês?"
E me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nome
e juntasse assim nossos nomes, naturalmente,
na mesma preocupação.
Gostaria de poder de repente te dizer:
Vamos voltar para casa...
(Como se felicidade pudesse ser uma coisa
a que tivéssemos direito como toda gente)
Queria partilhar contigo os momentos menores
da minha vida, porque os grandes já são teus.
EUGÉNIO DE ANDRADE - MÚSICA, LEVAI-ME
MÚSICA, LEVAI-ME
EUGÉNIO DE ANDRADE
Música, levai-me:
Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?
AGUINALDO FONSECA - CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA
CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA
AGUINALDO FONSECA
Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá...
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá...
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá...
sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.
DONIZETE GALVÃO - FACHADA
FACHADA
DONIZETE GALVÃO
Logo vai terminar o prazo
para o homem construir sua fachada.
Ele continua em andaimes.
Provisório.
Exibe máscaras cambiantes.
Sua face inconclusa,
sustentada por ferragens,
parece esconder que,
em todos esses anos de obra,
ergueram-se inúteis plataformas
para edificar um escombro.
NEL CÂNDIDO - EU VIVI ENTRE MONTANHAS
EU VIVI ENTRE MONTANHAS
NEL CÂNDIDO
Eu vivi entre montanhas,
habitando em um vale,
desejando as alturas,
mas sem as subir jamais.
Tudo o que eu vi do mundo
limitou-se ao meu vale.
Até a visão do céu
não levava ao infinito.
Lendo a história de alpinistas,
minha alma chora triste.
Tanto havia além-montanhas,
no entanto eu quedei-me
toda a vida em meu vale.
FERNANDO NAMORA - TERRA
TERRA
FERNANDO NAMORA
Onde ficava o mundo?
Só pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava um outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina é uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO - FINGIR QUE ESTÁ TUDO BEM
FINGIR QUE ESTÁ TUDO BEM
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de
chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as
conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
MIGUEL TORGA - DE TANTO OLHAR O SOL
DE TANTO OLHAR O SOL
MIGUEL TORGA
De tanto olhar o sol,
queimei os olhos,
De tanto amar a vida enlouqueci.
Agora sou no mundo esta negrura.
À procura
Da luz e do juízo que perdi.
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